Inquisição

A Inquisição Medieval

A Igreja católica exerceu uma influência marcante sobre as populações dos períodos medieval e moderna, ultrapassando sua função religiosa e espiritual. Sua ação manifestava-se nos setores pedagógico, econômico, político e cultural, tornando-se o principal centro irradiador de cultura na Idade Média e Moderna. A existência e o cotidiano do homem medieval eram regulados pela religião. Atormentados pelo temor de serem condenados à danação no inferno, os cristãos submetiam-se às penas e ameaças de caráter religioso, impostas pela Igreja.

A crítica à Igreja passa a equivaler ao crime de lesa-majestade. Não admitindo questionamentos, a Igreja tem de mobilizar toda uma tecnologia repressiva para controlar os possíveis revoltosos, e essa tecnologia é o discurso jurídico canônico materializado na Santa Inquisição, com seu sistema de construção aflitiva da verdade (SANTOS, Rogério Dultra dos. A Institucionalização da Dogmática Jurídico-Canônica Medieval. In: WOLKMER, Antônio Carlos (Org.). Fundamentos da História do Direito. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010 p. 246).

A citação acima faz referência ao poder da Igreja católica como modeladora dos hábitos, costumes, crenças e práticas, impondo uma política autoritária e excludente, na qual aqueles que não obedeciam ou não se encaixavam no perfil dogmático cristão eram brutalmente perseguidos e eliminados.

No apagar das luzes do Império Romano, o cristianismo se tornou a religião oficial e se intitulava como a única religião verdadeira. Em 313 d.C. após o Edito de Tolerância de Milão, a Igreja Católica passou a exercer maior influência na vida econômica, religiosa e social do Império romano. O apogeu do poder eclesiástico ocorreu na chamada “Baixa Idade Média” (séculos XII e XIII) com a instituição do poder divino dos reis e a criação do Tribunal do Santo Ofício, também conhecido como Inquisição. Com o objetivo de combater toda e qualquer forma de contestação dos dogmas católicos, a Igreja, através da Inquisição, impunha um discurso eclesiástico único que excluía qualquer manifestação religiosa divergente.

A ação da Inquisição medieval teve início em 1184 d.C., na região de Languedoc, no sul da França, berço de movimentos heréticos, os cátaros ou albigenses. Os povos cátaros acreditavam na existência de dois deuses: um bom e espiritual e um mau e físico. Segundo essa crença, Cristo teria vindo à Terra para salvar as almas boas, enquanto as más almas voltariam à Terra através da reencarnação. Esses movimentos chamaram a atenção da Igreja católica que enviou delegados papais à região e considerou essa crença como heresia no Concílio de Verona em 1184 d. C. No início do século XIII, Gregório IX assina as bulas papais Excommunicamus e a Licet ad Capiendo. A primeira foi assinada em 25 de fevereiro de 1931. Ela determinava que inquisidores profissionais localizassem pessoas suspeitas de praticar heresias.  Após identificados, os ditos “hereges” eram persuadidos a se retratar diante da Igreja católica, renegando suas crenças originais. Aqueles que se recusassem eram excomungados e expulsos da comunidade religiosa.

Vale ressaltar que o termo herege provém do latim haerêsis, que deriva do termo grego hairetikós, que significa escolha ou opção. Ou seja, trata-se de uma linha de pensamento diferente ou contrária a um credo estabelecido por meios ortodoxos. A partir do século XII, o termo heresia ficou conhecido como aquele que tinha uma crença religiosa diferente do cristianismo, tido como a única religião verdadeira. Com base nessa mentalidade, todos aqueles que praticavam uma religião diferente da cristã era considerado herege e deveria se retratar diante da Igreja católica, renunciando a sua fé original.

Em 20 de abril de 1233, o papa Gregório IX publica a burla Licet ad Capiendo, que era dirigida principalmente aos padres dominicanos, fervorosos no combate à heresia. A partir de então, todos aqueles identificados como hereges eram capturados, entregues ao Tribunal do Santo Ofício e, geralmente condenados. Os acusados pela Inquisição eram responsabilizados por “crimes contra a fé”, podendo ou não ter relação com fenômenos naturais como pestes, terremotos, doenças e pobreza. O acusado era preso e entregue às autoridades estatais para ser punido. Após julgamentos parciais e baseados, sobretudo, em confissões extraídas por meio de torturas, os hereges, os infiéis (judeus e muçulmanos), os acusados de bruxaria, sodomia ou considerados “sem alma”, como indígenas e africanos, recebiam penas, que variavam de simples censuras às execuções na fogueira.

 

Bibliografia

ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO. http://digitarq.dgarq.gov.pt/

ASSIS, Angelo Adriano Faria de. Inquisição, religiosidade e transformações culturais: a sinagoga das mulheres e a sobrevivência do judaísmo feminino no Brasil colonial – Nordeste, séculos XVI-XVII. Revista Brasileira de História, Associação Nacional de História, v. 22, n. 43, p. 47-66, 2002.

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FERNANDES, Neuza. A Inquisição em Minas Gerais no Século XVIII. 3. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2014. v. 1.

VEIGA, Suzana do Nascimento. “Criptojudaismo tropical”: a religiosidade da quarta geração das Dias-Fernandes de Pernambuco e a Inquisição Portuguesa.
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SOARES, Evênia França. Mulher, Judaísmo e Inquisição nas Minas. Belo Horizonte: D’ Plácido, 2018.