Inquisição

A Inquisição Moderna

A intolerância religiosa em face da minoria judaica na Europa foi crescendo na medida em que fortalecia a influência do Cristianismo, não apenas como prática religiosa, mas, em especial, pela estruturação da Igreja Católica, que se torna a instituição mais poderosa da Idade Média.

Foram em parte estas duas características dos judeus, separação e proselitismo, que os colocou em conflito com os cristãos. Desde o nascimento do cristianismo no século I, a nova fé, como sua origem, o judaísmo, era ativamente missionária e disputava com o judaísmo as conversões por todo o Império Romano. Além disso, os cristãos estavam ansiosos para ser considerados capazes de recrutar judeus e gentios igualmente para a Igreja cristã. Mas, o que é muito sério, os judeus passaram a ser vistos como responsáveis pela morte de Cristo. Esta deveria ser a base de todo o amargo anti-semitismo dos séculos cristõas. A partir dos séculos III e IV, escritores e pregadores acusavam regularmente os judeus de deicídio. Esta acusação tornou-se a desculpa fundamental e a explicação para a onda de perseguição medieval. No momento em que o cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano no século IV, as leis imperiais começaram a fazer restrições aos judeus.[…]Eles tornaram-se com efeito cidadãos de segunda classe. Mas, apesar disso, tinham a permissão de praticar sua religião(sic). Entre as leis imperiais, podem ser exemplificadas as de Teodósio, as de Justiniano e as de Justino I. (RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação. As minorias na Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993, p. 96).

Assim, os conflitos entre judeus e cristãos tornam-se mais evidentes a partir do advento dos processos em torno do poder da Igreja Católica, que se fortalece sobretudo em razão do seu papel de mediadora entre os germânicos, que adentram o território do Império ou se instalam em suas fronteiras, e os próprios romanos, na passagem da Antiguidade à Idade Média.

Bastante expressiva na Europa Ocidental durante o período medieval, foi na Península Ibérica, já nos contornos da Idade Moderna, que a Inquisição exerceu uma das páginas mais sombrias e brutais da história, em especial contra os judeus. Com os Autos de Fé na Espanha, a partir de 1492, milhares de famílias judiais são obrigadas a fugir, em especial, para Portugal, sob pena de serem convertidas à força ao cristianismo ou mesmo para salvarem suas próprias vidas. Apesar da fuga, os judeus não se livraram da conversão forçada em Portugal. Em 1497, no reinado de Dom Manuel I, eles são submetidos aos “batismos de pé”, passando à condição de “cristãos-novos”, embora a maioria continue fiel à observância, ainda que secreta, à Torah.

Com a chegada dos portugueses ao Brasil a partir de 1500, milhares de cristãos-novos migram para a colônia, na vã esperança de professarem sua fé sem perseguições. Todavia, com a instalação institucional do Tribunal do Santo Ofício em Portugal em 1536, o braço inquisitorial violento e intolerante da Inquisição ultrapassa o Atlântico e alcança as terras brasileiras, deixando suas marcas indeléveis no imaginário e nas mentalidades socioculturais brasileiras.

Por aqui, ocorreram quatro visitações (1591 a 1595; 1618 a 1620; 1627 a 1628; 1763 a 1769), que resultaram em inúmeras denúncias e condenações, e não só os cristãos-novos foram atingidos, mas, também, os indígenas, os escravizados, bem como aqueles denunciados por bruxaria e outros comportamentos tidos como desviantes pela Igreja Católica, como a homossexualidade. Muitos cristãos-novos brasileiros foram executados em Lisboa, como, por exemplo, Gaspar Gomes (1644), Felix Nunes de Miranda (1731), Guiomar Nunes (1732) e Antônio José da Silva (1739). Mas, ainda que os cristãos-novos tenham sido, de forma inegável, os mais perseguidos pela Inquisição portuguesa, não só eles foram condenados. Miguel Pestana, um indígena, foi julgado e sentenciado às galés pela Inquisição em 1744, por ser um afamado mandingueiro.

“Arrependo-me e peço perdão porque pequei”, Praça do Comércio, Lisboa, 17 de junho de 1731. Após dois anos de torturas, humilhações, ferimentos na alma e no corpo, a cristã-nova brasileira Guiomar Nunes pronunciou essa confissão, na vã esperança de ser libertada pelos carrascos da Inquisição. Mas, na presença de uma multidão que, aos gritos, esperava por sua execução, Guiomar Nunes foi garroteada e teve seu corpo queimado pelas chamas da fogueira inquisitorial. Ela não foi a única. Inúmeros outros brasileiros tiveram o mesmo destino desde que o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição foi instituído em Portugal em 1536, até a sua extinção em 31 de março de 1821, deixando um rastro de violência e intolerância por toda a nossa história colonial.