Inquisição

As especificidades do Tribunal do Santo Ofício

O Tribunal do Santo Ofício possuía características específicas que o diferenciam dos processos utilizados na justiça secular da época. Enquanto no julgamento acusatório secular o processo era público e oral, no Tribunal da Inquisição o processo ocorria de forma sigilosa e escrita. O segredo era a alma do processo. O acusado não tinha conhecimento dos crimes os quais estava sendo acusado e nem da identidade do delator. Além disso, as sanções poderiam ser tanto patrimonial como corporal.

Ao contrário dos processos regulares e seculares, a investigação não buscava provar a culpa do réu, pois esta já estava subtendida no momento da aceitação da denúncia pelos membros do Tribunal do Santo Ofício. Acreditava-se que a verdade apresentada pelos funcionários eclesiásticos era incontestável, pois ela advinha da Igreja Católica, ou seja, da representante de Deus na Terra. Assim, a função do processo era esclarecer os fatos que comprovavam a culpabilidade do réu.

Existiam três formas para se iniciar um processo inquisitorial: através da acusação, da denúncia e da investigação. No primeiro caso, o acusador se comprometia a acusar o réu diante do Inquisidor e fazia parte do processo. No segundo caso, o delator poderia escolher ser mero denunciante e a denúncia era feita na presença de um escrivão e duas testemunhas consideradas confiáveis pelos inquietares. Esta situação foi a mais comum durante a vigência do Tribunal do Santo Ofício. Por fim, um processo poderia se iniciar através da investigação. Boatos vindos de pessoas tidas como honestas chegavam aos ouvidos do Inquisidor e o juiz investigava os fatos.

Após iniciado o processo da Inquisição, reuniam-se as provas, era expedido um mandado de prisão para o acusado, o réu era capturado e levado à mesa do Santo Ofício. A partir de então, iniciavam-se os interrogatórios. Vale destacar que o processo sempre se iniciava com a fala do delator, sem a presença ou o conhecimento do réu. Este fato impossibilitava a reunião de provas para a realização das contraditas, dificultando a defesa do réu. O Tribunal poderia condenar tantos os vivos como os mortos e cabia aos herdeiros defender a honra dos falecidos. No caso de condenação maior, a excomunhão, os ossos dos mortos eram levados aos Autos-de-fé e queimados na fogueira da Santa Inquisição.

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Auto de Fé – Lima
Fonte https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Auto_de_fe_Lima.jpg

Um processo padrão do Tribunal da Santa Inquisição contava com as seguintes etapas: registro das culpas existentes contra o réu; o inventário, em que constavam os bens e as dívidas declaradas pelo réu; a sessão de genealogia, em que os inquisidores procuravam identificar possíveis antepassados com sangue “impuro” dos acusados; a sessão in genere, quando o réu era interrogado sobre a heresia que havia cometido e a sessão in specie, quando o réu deveria contar quando, com quem e onde cometeu a heresia. Essa parte do processo consistia na denúncia de parentes ou conhecidos do acusado. Em seguida, vinha a parte libelo, quando o inquisidor apresentava as culpas do réu. Nesse momento, o réu deveria adivinhar quem eram seus delatores para apresentar contraditas de seus prováveis inimigos. A próxima fase era a confissão de culpa do réu e a promulgação da sentença pelo juiz.

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Processo da Inquisição Elena do Vale
Fonte: ANTT/TSO-IL, processo 4220

Ao longo dos séculos XIII ao XVIII, milhões de pessoas foram condenadas pelo Tribunal do Santo Ofício e executadas pelas autoridades estatais no continente europeu e nos domínios coloniais ibéricos.  Metade dessas condenações ocorreu nas terras germânicas do Sacro Império Romano. A outra metade ocorreu nos territórios que hoje situam-se a Itália, a França, a Suíça, a Polônia, Portugal e Espanha.

Entre os povos que foram perseguidos e condenados pelo Tribunal do Santo Ofício destacam-se os judeus, renomados pelos seus conhecimentos apurados nas diversas áreas do conhecimento (arquitetura, medicina, cartografia, astronomia, matemática, navegação). Os judeus eram comerciantes e navegadores que, graças às suas expertises, geralmente eram pessoas mais abastadas financeiramente. Por esses motivos, eram alvos preferidos das autoridades estatais e eclesiásticas, sobretudo no confisco dos bens dos delatados e de todos os seus familiares.